Ângela Barbosa Franco*
Diante da 4ª Revolução Industrial, vivenciamos uma reestruturação empresarial e de mercado, com acirrada concorrência, fomentada pelo surgimento de plataformas digitais. Exemplo clássico disso são os aplicativos que ofertam o serviço de transporte e fazem a intermediação entre o trabalhador (condutor do veículo) e o solicitante (pessoa que necessita do serviço de transporte). Este fenômeno é apelidado por muitos de Uberização e consiste em um modelo de negócio em que a empresa gerenciadora da plataforma cobra um percentual do prestador de serviço, para unir oferta e demanda. Variados serviços como os de entregas rápidas, faxina domiciliar, consultas médicas, contábeis ou jurídicas, dentre outras atividades, simples ou complexas, que inclusive podem ser desempenhadas totalmente online, estão disponíveis via apps.
Essas atividades produtivas atraem muitos trabalhadores, seduzidos pela possibilidade de terem uma jornada flexível, a se aventurem em um labor autônomo e informal que, muitas vezes, não observa as condições mínimas de um trabalho decente. Normalmente, é a plataforma digital que determina as cláusulas contratuais, monitora o trabalho e transfere todos os riscos e as responsabilidades do serviço para quem o executa.
É o trabalhador quem elege em qual momento, dia e horário, bem como por quanto tempo irá prestar serviços. Entretanto, essa liberdade de se dispor para o trabalho, quando lhe convier, pode ser enganosa, pois quem labora necessita ficar constantemente disponível para tentar alcançar uma renda que proveja seu próprio sustento. Não há garantia de recebimento de um valor mínimo de retribuição, sujeitando-se o prestador de serviços a jornadas extenuantes, com rendimentos aviltantes, sem qualquer proteção para evitar acidentes. Ademais, o trabalhador convive com o temor da avaliação subjetiva dos usuários na plataforma sobre seus serviços.
No Brasil, a Resolução nº 148, de 08/08/19, permite a inclusão dos motoristas de aplicativo como Microempreendedores Individuais (MEI) e, na qualidade de contribuintes do INSS, eles podem ter aposentadoria por idade, auxílio doença, licença maternidade, pensão por morte, dentre outros benefícios. Ainda assim, o status de microempresário não os retira da condição de hipossuficiência e de disparidade jurídica perante quem aufere lucro do trabalho.
Neste ano de 2019, em que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) completa cem anos, a Comissão Global da OIT sobre o Futuro do Trabalho solicita aos governos a executarem medidas urgentes para garantir um trabalho decente frente às mudanças tecnológicas, incluindo um sistema de governança internacional para as plataformas de trabalho digital.
Se a tecnologia rompe as barreiras geográficas e permite desempenhar o trabalho em qualquer local do mundo e horário, para qualquer pessoa, é preciso que o Direito do Trabalho se internacionalize de modo a tutelar o trabalhador para que ele não seja um mero instrumento de extensão da atuação plataforma.
* Ângela Barbosa Franco: Leciona a disciplina de Direito do Trabalho nos cursos de graduação e pós-graduação em Administração, Ciências Contábeis e Direito. É doutoranda em Ciências Jurídicas Privatísticas na Universidade do Minho/Portugal e investigadora da JusGov (Centro de investigação em Justiça e Governação da Universidade do Minho, Portugal). Mestre em Direito. Na pesquisa, suas áreas de interesse são em Direito e Literatura, Trabalho da era digital e Mediação.