Amor crenças conjugais e sua importância na terapia de casais

Amor crenças conjugais e sua importância na terapia de casais
Publicado em 27 de agosto de 2015

Foto: MorgueFile

Sérgio Domingues, Professor dedicação integral. Coordenador do Núcleo de Apoio Psicopedagógico. Coordenador do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos "Sylvio Miguel".

O ano era 2007, minha primeira experiência em um ambulatório de saúde mental de uma pequena, muito pequena, cidade do interior de Minas Gerais. Eu, Psicólogo, me sentia preparado para fazer o melhor trabalho, colocando em prática todo o arcabouço teórico estudado na graduação e nos primeiros anos como professor de Análise do Comportamento. Contudo uma surpresa me aguardava.

Naqueles dias, já distantes, a primeira paciente que atendi sofria de amor. Isso mesmo, sofria de amor. Nada de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), Depressão (ainda que ela estivesse triste), nem Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). Nada disso.

Eram 7 horas da manhã e a única coisa que me ocorreu foi pensar “quem é que sai da cama as 5 horas da manhã (morava na zona rural a moça) e vai ao posto de saúde fazer terapia porque sofre de amor?”.

Amor platônico por um moço mais velho (talvez 20 anos). Levei alguns dias para entender. E entendi quando pude perceber que mais da metade das pessoas que buscavam terapia ali sofriam de amor, de todos os tipos. Amor ao marido alcoólatra, amor à esposa infiel, amor impossível, amor à distância, ciúmes (que nada mais é que medo de perder o amor e um catalisador para perdê-lo).

Desde então, entendi que boa parte do sofrimento das pessoas tem a ver com isso, com o que sentimos por outra ou outras pessoa(s). E nesse cenário, o ódio é só um amor disfarçado. As vezes quem odeia ama demais o odiado. Nuances da condição humana.

Recentemente venho percebendo a onda de separações, divórcios e para meu espanto até a palavra desquite escutei em um seriado outro dia. Desquitado(a) era uma pessoa esquisita na minha infância profunda. Um personagem fora da curva. Hoje as pessoas são divorciadas/separadas, mas felizmente dentro da curva. Somos maioria (também já me casei e descasei), mas nem por isso deixamos de sofrer de amor e por amor.

Toda essa introdução para poder apontar como psicólogos(as) tem estado atento a essa realidade, e portanto, buscado alternativas de auxílio aqueles que, como a mocinha do início do texto, buscam algum alento para resolver seu(s) amor(es).

Quando se pensa em casamento e terapia de casais uma das boas descobertas dos terapeutas cognitivos comportamentais foi de que as pessoas podem apresentar crenças conjugais realistas ou crenças conjugais irrealistas e isso influencia muito a qualidade das relações.

As crenças conjugais realistas são baseadas em fatos da vida conjugal, são concepções flexíveis e adaptáveis e fundamentalmente exibem conteúdos passíveis de concretização no casamento. Em resumo, é o possível.

Já as crenças conjugais irrealistas são baseadas em interpretações enviesadas ou distorcidas da realidade conjugal, são rígidas e cristalizadas e exibem conteúdos muito idealizados, de difícil concretização na vida de um casal. São as utopias de amor romântico, cavalos brancos, príncipes e princesas.

De onde vem essas crenças sobre o casamento? Da família de origem, do contexto sociocultural, da mídia, das questões de gênero.

Por essa razão é sempre bom conhecer a experiência da pessoa com a família de origem, assim como não deixar de lado o tempo e a cultura na qual vivemos (imediatista e afoita por prazer permanente e imediato), atenção as leituras da mídia sobre o que é amor/relação conjugal (esqueçam os mitos de príncipes e princesas, eles não resistem à primeira noite juntos porque gente comum não acorda maquiada, penteada e com gostinho de menta na boca), e finalmente lembremos que felizmente homens e mulheres pensam diferente, e que bom que é assim.

Sobre as questões de gênero um dos erros que percebo na pós-modernidade é a feminilização do homem. O homem não precisar ser grosseiro ou truculento, não precisa esquecer os bons modos a mesa (mesmo se for a mesa de um bar). Nada deve ser um “ogro”, mas de feminino basta a mulher. É bem provável que a mulher que ler este texto vá concordar que homens femininos demais são menos interessantes (cuidado rapazes com o excesso de amor a própria imagem refletida no espelho da academia e para não ter mais cremes de rosto/corpo que sua namorada ou esposa).

A masculinidade pode ser um importante elemento para uma relação legal, sadia. Os homens devem se cuidar sim, mas nem por isso devem se tornar um poço de insegurança. As vezes matar uma barata faz mais bem para a masculinidade do homem do que levantar tal ou qual peso na academia.

Finalmente é sempre bom estar atento a mitos conjugais que interferem na qualidade dos relacionamentos tais como:

  • Marido e esposa são os melhores amigos (nem sempre)
  • O romantismo do casal faz o bom matrimônio (um casamento precisa de muito mais que romance e o romance em excesso, assim como o açúcar, pode ter seus malefícios)
  • O marido e a esposa devem fazer tudo juntos (façam algumas coisa juntos, muito bem feitas. Outras serão feitas com amigos(as), família, entre outras)
  • Você deve fazer o outro feliz no casamento (ninguém faz ninguém feliz. Ou você fica feliz por si mesmo ou não, não espere que o cônjuge te faça feliz)
  • O casamento deve ser uma sociedade 50% a 50% (bobagem, um casamento pode ter divisões de todos os tipos)
  • Um amor que já morreu as vezes pode renascer (renascimento de amores me lembra a “noite dos mortos vivos”, cuidado...)
  • Os opostos se atraem e se completam (lenda das lendas)
  • Conforme-se com o que você tem (não, não se conforme)

Aí talvez você se pergunte: é possível ser feliz no amor? E a resposta é sim, desde que o amor seja possível, real, sem idealizações ou mitos.

Mas que seja infinito enquanto dure...


Fonte: https://academico.univicosa.com.br/uninoticias/acervo/1908c308-9aca-4739-99da-3d63ba275b2d